Pedem de São Paulo a colaboração humilde
do meu esforço para a apresentação de “Palavras do Infinito” que um grupo de
espiritistas da Sociedade de Metapsíquica do grande Estado, tendo à frente o
eminente amigo Dr. João Batista Pereira, vai lançar à publicidade com o
objetivo de fornecer gratuitamente, com a mensagem dos mortos, um consolo aos
tristes, uma esperança aos desafortunados e um raio de claridade aos que
naufragam, desesperados, na noite escura da dúvida e da descrença em meio às
borrascas do oceano tempestuoso da vida.
Existem poucas probabilidades de eficácia
no esforço dos mortos em favor da regeneração da sociedade dos vivos. Contudo,
as atividades de ordem espiritualista, na atualidade do mundo, constituem a derradeira
esperança da civilização. Sou agora dos que vêem de perto o trabalho intenso
das coletividades invisíveis pelo progresso humano; sinto ao meu lado a
vibração luminosa do pensamento orientador das sentinelas avançadas de outras esferas
da evolução e do conhecimento e reconheço que somente das concepções do moderno
Espiritualismo poderá nascer o novo dia da Humanidade. E embora a negação
sistemática dos homens diante dessas realidades consoladoras, os túmulos vêm deixando
escapar os seus profundos e maravilhosos segredos, falando a sua palavra tocada
de conforto e de claridades sobrenaturais.
Na Antiguidade egípcia, figurava-se o
santuário da verdade ao fim de uma estrada sinuosa, rodeada de esfinges
representando os enigmas das suas essências profundas; e no seu estranho
simbolismo essas imagens constituíam as esfinges da Morte, cujos umbrais de silêncio
e de treva a Vida jamais poderia transpor para solucionar os problemas inextricáveis
dos destinos e dos seres. O tempo, todavia, modificou a mentalidade humana,
adaptando-a para um conhecimento melhor de si mesma. Em meados do século
passado, quando o materialismo atingia as suas cumiadas, na expressão
filosófica dos pregoeiros e expositores, eis que os mortos voltam a confabular
com os vivos sobre a sua maravilhosa ressurreição. A esperança volta a
felicitar a mansarda dos pobres e o coração dos oprimidos na prodigiosa
perspectiva da imortalidade através de todos os mundos e os desencarnados, num
heroísmo supremo, volvem aos centros de estudos e aos gabinetes dos sábios com
a lição piedosa das suas experiências.
Não obstante a arrancada gloriosa dos que
já haviam partido das substâncias poderes da Terra para as esferas luminosas do
Céu, tentando, com os seus exércitos de arcanjos, reorganizar a sociedade
humana, restaurando os alicerces do Cristianismo, poucos foram aqueles que ouviram
as suas trombetas ecoando no vale das lágrimas e das provações. Diante desse
fenômeno universal, a religião não pôde volver dos seus interesses e da sua
intransigência para identificar a espiritualidade dos seus santos e dos seus
antigos reformadores; a ciência acadêmica, por sua vez, conserva-se de guarda
ao seu passado e com as suas conquistas de ontem presume-se na posse da
sabedoria culminante. Entretanto, o dogmatismo é incompatível com o progresso,
e todas as concepções cientificas de cada século se caracterizam pela sua
instabilidade, porque os olhos da carne não vêem o que existe. Nenhuma teoria
pode explicar a vida à base exclusivista da matéria. Todos os fenômenos
mecânicos do Universo obedecem a uma força inteligente e nada existe de real diante
da visão apoucada dos homens, porque as verdades profundas se lhes conservam
invisíveis.
Os movimentos planetários, os turbilhões
atômicos no complexo de todas as coisas tangíveis, inclusive o seu próprio corpo,
o mistério da força, os enigmas da aglutinação molecular, o segredo da atração,
a identidade substancial da energia e da matéria, que nunca se encontram
separadas uma da outra, não se mostram aos olhos humanos dentro da sua
transcendência e da sua grandeza. Todo átomo de matéria tem a sua gênese no
átomo invisível, de natureza psíquica. Raios impalpáveis e ocultos trazem a
vida e trazem a morte. E o homem, na sua ignorância presumida, mal se apercebe
que é o fantasma cambaleante de Édipo, vivendo na zona limitada do seu
livre-arbítrio, mas submetido às leis de bronze do destino e da dor, cujas
atividades objetivam o aprimoramento de sua personalidade; apesar da sua
vaidade e do seu orgulho, todas as suas glórias materiais caminham para a
morte. Nietzsche arquiteta com Zaratustra a filosofia do homem superior para
cair aniquilado sobre o seu próprio infortúnio. Napoleão, depois das lutas
prestigiosas que lhe granjearam a admiração universal, recolhe-se em Santa Helena para
meditar nas célebres sentenças do Eclesiastes. Édison, após encher de conforto
as cidades modernas com a sua imaginação criadora, sente o esgotamento de suas
forças físicas para aguardar o gume afiado da morte. Os homens, com todos os
pergaminhos de suas conquistas, viverão sempre no círculo de suas fraquezas e
de suas misérias, enquanto não se voltarem para o lado espiritual do Sofrimento
e da Vida.
A manifestação das atividades dos mortos
não lhes tem fornecido as conclusões de ordem moral que se fazem necessárias ao
aperfeiçoamento coletivo; com algumas honrosas exceções, despertou apenas o
sentimento de suas análises, nem sempre orientadas no propósito de saber, para
serem filhas intempestivas das vaidades pessoais de cada um. Disse Ingenieros,
nos seus estudos psicológicos, que a história da civilização representa apenas
o desenvolvimento da curiosidade humana. Se isso é um fato incontestável, não é
menos verdade que essa sede de revelações deve possuir uma bússola espiritual
nas suas longas e acuradas perquirições do invisível. Muita experiência trouxe
do mundo para acreditar que as teorias, só por si, possam operar a salvação da
humanidade. Elas constituem apenas o roteiro de sua marcha onde os espíritos de
boa vontade vão conhecer o caminho. São acessórios do seu esclarecimento sem representarem
a compreensão em si mesmas. Toda a civilização ocidental fundou-se à base do
Cristianismo; todavia o que menos se vê, no seu fausto e na sua grandeza, é o
amor e a piedade do Crucificado. A atualidade está cheia de exemplos dolorosos.
Povos considerados cristãos preparam-se afanosamente para as lutas fatricidas. A
Liga das Nações, que alimentava o sonho da paz universal está hoje quase
reduzida a uma abstração de ideólogos. A Itália e Alemanha expansionistas
empunham a espada do arrasamento e da destruição. Ainda agora o general
Ludendhorf acaba de entregar à publicidade o seu livro terrível sobre a guerra
total.
A crença e a fé não procedem de
combinações teóricas ou do malabarismo das palavras e dos raciocínios. É no
trabalho e na dor que se processam e se afinam. Para a Fé não há melhor símbolo
que o toque de Moisés sobre as rochas adustas, fazendo brotar o lençol líquido
das águas claras da vida. Só a dor pode tocar o coração empedernido dos homens
e é por isso que a lição dos mortos servirá somente para constituir a base nova
da sociologia de amanhã. A fé, por enquanto, continuará como patrimônio dos
corações que foram tocados pela graça do sofrimento. Tesouro da imortalidade,
seria o ideal da felicidade humana se todos os homens o conquistassem, mesmo
nos desertos tristes da Terra.
Um grande astrônomo francês, inquirido
sobre as recompensas do Céu, acentuou:
“Mesmo aqui podem as criaturas receber as
recompensas do paraíso. O Céu é o infinito e a Terra é uma das pátrias da
Imensidade; todos os homens, portanto, são cidadãos celestes. É aqui, na
superfície triste do mundo, que as almas realizam a aquisição de suas
felicidades. Estamos em pleno céu e em toda à parte veremos cada um receber
segundo as suas obras...”.
Sobre as frontes orgulhosas dos homens
pairam os órgãos invisíveis de uma justiça imanente e sobre a terra pode o
espírito fazer jus aos prêmios do Alto. A crença com os seus esplendores subjetivos,
é um desses maravilhosos tesouros.
Que as palavras do infinito se derramem
sobre o entendimento das criaturas; cooperando com a dor, elas descobrirão para
o homem as grandezas ocultas de sua própria alma, a fim de ele aceite, em seu
próprio beneficio, as realidades confortadoras da sobrevivência. A voz do além
pode ficar incompreendida, mas os mortos continuarão a falar para os vivos,
comandados à ordem de Alguém, que está acima das opiniões de todos os
cientistas e escritores, encarnados e desencarnados. Foi a piedade de Jesus que
abriu as cortinas que velavam os mistérios escuros e tristes da morte e o
Divino Jardineiro conhece o terreno fecundo onde germinam as sementes do seu
amor.
Os homens aprenderão à custa das suas
dores, com todo o fardo de suas misérias e de suas fraquezas e as palavras do
infinito cairão sobre eles como a chuva de favores do alto. Que elas se
espalhem nos corações e nas almas, porque cada uma trás consigo a claridade de
um sol e a doçura de uma benção.
Humberto de Campos
(Recebida em Pedro Leopoldo a 27 de
março de 1935).
19:11
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Humberto de Campos
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