ALMA ESCRAVA
“Por que, meu Deus, a carne inda me prende,Por que me arrasto como um triste duende,Em miserabilíssimos despojos?”Era o ser encarnado que falava,Amarguradas queixas da alma escrava,No mais horrendo dos martirológios. Como
pude descer nos labirintos,Onde os lobos vorazes dos instintosNos consomem nos dentes esfaimados;E por que idealizando puros gozos,Busco na carne abismo tenebrosos,Abominado todos os pecados?“ “Sou no mundo um fantasma solitário,Só porque, um dia, um espermatozoárioUniu-se, ansioso, ao óvulo fecundo.E emergindo as ânsias e dos partos,Suguei, unindo a boca a uns seios fartos,Substâncias misérrimas do mundo...” “Desde esse dia tormentosos e aflitoDe intensa dor, envergo o sambenitoDe matérias iguais aos polipeiros,Entre as disposições hereditárias,Chorando as mesmas dores milenáriasDos que gemeram nesses cativeiros!” Nada, contudo, lhe respondeu, de perto...A alma, porém, sozinha, no deserto,Viu sobre o mundo um monte de destroços;Sentiu, no além, a vida verdadeira,Mas contemplando, pela Terra inteira,A carne infame, chocalhando os ossos!...
Augusto Dos Anjos
18:24
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